3 de novembro de 2015

o meu melhor avô

























queria muito ter guardado todas as frases que disseste. todas as refeições que partilhamos quando esperava que regressasses impregnado de cheiro a serrim. guardei aquele teu dia angustiado pela tua nítida consciência que os teus dias se acabavam todos os dias. tu querias fazer tudo. eu sabia que tu eras uma espécie de sábio. a imagem de um sábio. eras gigante, doce, tranquilo o mais afectivo dos adultos no masculino. estudavas todos os dias a medicina dos teus dias e sabias. falavas com os netos sem infantilidade, com paciência, respeito e correspondência. nunca tinhas lido sobre parentalidade positiva. naquele dia em que toda a família se sentia perdida nas tuas atitudes e tiveste de sair eu corri atrás de ti e trataste-me com respeito. eras o menos exaltado e o que mais razões para isso tinha. segredaste-me o amor que tinhas por todos. naquele dia fiquei da tua altura quando me segredaste o os teus raciocínios sem eco no meio dos adultos. depois, naquele dia de natal percebi nitidamente que a directa que fizeste de forma sobrenatural para nos dar a mais preciosa prenda de toda a nossa vida seria das últimas. foi o teu último fôlego. está torneado em cada uma das reentrâncias que nos quiseste deixar. a primeira lágrima que te vi cair por não as teres conseguido forrar de ouro. por não as teres conseguido fazer reluzir. era dia de natal. dali saiste para o hospital e resististe uns meros 6 dias mais. nem mais nem menos. o ano novo começou sem ti. 1990 começou sem ti. tínhamos chegado a esboçar projectos para a minha adolescência e a tua reforma. queria muito ter guardado as tuas conversas. as tuas palavras. as tuas partilhas. a tua morte não me custou. eu não sabia o que custavam as mortes. as mortes não custam. as mortes são só momentos. momentos de um dia. o que custa vem depois. custa o vazio dos anos seguintes, custa agora a ausência de uma pessoa que não se chegou a viver. custa não viver uma pessoa que se queria muito viver. custa a ausência da pessoa que mais se queria viver. custa a ausência da pessoa que mais queria que os nossos filhos conhecessem. eras o bisavô idealizável.

1 comentário:

madrid disse...

A melhor herança que alguém pode deixar são boas recordações. Passa as tuas memórias dele <3 Bjs.

eu vista por mim

eu vista por mim
novembro1982